Os resultados preliminares trazem à tona as experiências de pessoas de mais de 22 estados do Brasil e revelam dados surpreendentes.
A Guillain-Barré é considerada pela ciência uma síndrome rara que afeta entre 1 a cada 100.000 habitantes por ano, o que no Brasil representa mais de 2.1 milhões de pacientes em média. Embora seja uma moléstia extremamente grave que deixa sequelas permanentes em parte dos indivíduos que a desenvolvem, além de fazer várias vítimas fatais, não existem números precisos sobre ela, principalmente pelo fato das notificações dos casos não serem compulsórias, impedindo um controle preciso pelas entidades governamentais. Outro aspecto também apontado por estudiosos para a falta de informações é a inexistência de entidades não governamentais com atuação específica dentro dessa temática.
A pesquisa que será exposta abaixo é uma iniciativa inédita, criada pelo jornalista e escritor Diogo Lapaiva, que além de profissional de comunicação, também luta contra a enfermidade desde o ano de 2019, quando foi acometido pela variável Miller Fisher.
Os dados foram captados por meio da ferramenta Google Forms, sendo o formulário distribuído nas redes sociais, principalmente no Facebook e WhatsApp, em grupos direcionados para esse assunto. Até esse momento o questionário foi respondido por 173 pacientes ou familiares, o que, se considerar a equivalência de 1/100 mil, representa mais de 17 milhões de brasileiros. Os pontos abordados visam entender fatos importantes, que transitam desde o diagnóstico até as dificuldades individuais enfrentadas em cada caso especificamente.
Se tratando de uma síndrome extremamente complexa, esses pontos compreendem inúmeras possibilidades, pois existem registros de pacientes diagnosticados de maneira precoce e que tiveram danos temporários superados de forma rápida com tratamentos paliativos, por outro lado, tantos outros ficaram hospitalizados por meses e lutam há anos para conviver com o medo, sequelas, dores e com os problemas financeiros, já que uma parte significativa das pessoas que enfrentam o problema perdem a sua capacidade laborativa de forma definitiva.
ABRANGÊNCIA
Apesar do estudo ter sido realizado de forma orgânica e ser distribuído apenas com a ajuda de voluntários, ele teve uma abrangência significativa, reunindo entrevistados dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Santa Catarina, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Alagoas, Espírito Santo, Sergipe, Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão e Rio Grande do Norte, além do Distrito Federal e países vizinhos (1,2% dos entrevistados). O local que teve maior incidência de participantes foi São Paulo, com 31,8%, representando um total de 55 pessoas.
PERFIL DA SGB NO BRASIL
A maioria dos questionários (76,9%), foram respondidos por pessoas que já enfrentaram ou ainda estão lutando contra a SGB, os demais (23,1%), eram parentes ou pessoas próximas a alguém que viveu essa realidade. Quando a pergunta era “HÁ QUANTO TEMPO VOCÊ LUTA CONTRA A SGB?”, apenas 6,9% afirmam que tiveram uma forma leve da síndrome, recuperando-se rapidamente e ficando sem sequelas; 28,3% responderam que estão há menos de 1 ano no tratamento; 23,1% há 2 anos; 11,6% há 3 anos; 1,2% há 4 anos; 5,2% há 5 anos; 4% há 6 anos; 1,7% há 7 anos; 3,5% há 8 anos; 2,3% há 9 anos; 8,7% há 10 anos ou mais, e os demais questionários foram respondidos por parentes cujos entes queridos foram vitimados pela SGB ou que não possuíam informações conclusivas quanto ao tempo exato (3,5%). [vide gráfico abaixo]
Outra pergunta que fez parte da pesquisa foi com relação ao tempo de internação. Nesse aspecto, 41% dos inquiridos ficou menos de 20 dias internado; 17,3% ficaram entre 20 e 30 dias; 13,9% ficaram entre 30 e 40 dias; 9,2% ficaram entre 40 e 60 dias; 4% relatam ter ficado entre 60 e 90 dias; 13,3% ficaram mais de 3 meses internados e 1,2% disseram que perderam seus entes queridos para a SGB, conforme mostra o gráfico abaixo. Um dado que permite compreender a gravidade da síndrome é a quantidade de pacientes que ficaram parte do tratamento na Unidade de Terapia Intensiva. Na maioria dos casos, 60,1% (104 pessoas de um total de 173) os pacientes vão para a UTI, sendo que em 29,5% (51 pessoas) chegam a ser intubados e 25,4% (44 pessoas) chegam a necessitar de traqueostomia, que é um procedimento cirúrgico de grande complexidade, realizado pelo médico na região da traqueia (pescoço), com o objetivo de facilitar a chegada de ar até os pulmões em enfermos que ficam longos períodos com auxílio de ventilação mecânica. [vide gráfico abaixo]
Quando o assunto é o comprometimento pela SGB, 47,4% dos pacientes declararam que tiveram mais de 90% do corpo atingido, ou seja, tiveram casos gravíssimos; já 18,5% avaliam que tiveram cerca de 70% do corpo afetado; 16,2% cerca de 50% e o restante, 17,9% dos participantes, disseram que tiveram casos leves com comprometimento inferior a 30% do corpo ou apenas enfraquecimento dos membros. [vide gráfico abaixo]
DIAGNÓSTICO
Cruzando os dados de agravamento e a demora no diagnóstico, que acontece em mais de 50% dos casos, é possível perceber que os pacientes que evoluíram para estágios mais graves estão no grupo dos que tiveram o seu diagnóstico protelado pela demora da própria vítima em procurar assistência ou por erros médicos. Não são raros os relatos de pacientes que chegaram ao Posto de Saúde depois de algumas quedas, reclamando de fraqueza e dormência nos membros, e que foram tratados de forma displicente com o uso de medicações como Dipirona e Buscopan sem fazer sequer um exame.
Abro um parêntese na pesquisa para contar a minha própria experiência. No meu caso ocorreu exatamente isso. Procurei auxílio médico quando já estava com uma perda de força perceptível, apresentando problemas de coordenação e fraquezas. Fui medicado, depois de 6 horas de espera em um hospital particular, com Buscopan sem a solicitação de nenhum exame sequer. Cerca de 4 dias depois eu voltei à mesma unidade reclamando do agravamento dos sintomas, pois a essa altura eu já não conseguia deglutir e nem caminhava, e pelo meu estado me deixaram esperar deitado em um leito, onde fiquei por mais de 5 horas sem suporte e, novamente, me trataram igual a antes. Mesmo já tendo 2 passagens pelo local eles não acharam necessário fazer exames e chegaram até a insinuar que eu estaria apenas com moleza ou algo assim. Um dia depois eu fui levado para a mesma unidade, dessa vez pela unidade de Resgate do Corpo de Bombeiros. Só depois que já tínhamos a suspeita da Guillain-Barré, após conversar com um amigo cuja irmã havia desenvolvido a forma mais leve da síndrome, o hospital chamou um especialista que atuou de forma técnica e brilhante, impedindo que eu me tornasse uma vítima fatal e atuando para reduzir os danos, que naquela altura já eram severos demais.
Ainda sobre o diagnóstico, 49,1% dos entrevistados revelam ter sido diagnosticados e tratados com menos de 1 semana; 26,6% revelam que a descoberta do problema levou entre 1 semana e 15 dias; e 24,3% comentam que nos seus casos a confirmação do diagnóstico levou mais do que 15 dias, o que no caso da SGB é uma condição extremamente desfavorável para o paciente. Sendo 50,3% atendidos na rede de saúde particular e 49,7% atendidos pelo SUS. [vide gráfico abaixo]
FATORES
Um ponto importante desta pesquisa é sobre doenças prévias relacionadas à SGB. Embora não existam estudos que comprovem especificamente as suas causas, na maioria dos relatos ela se manifesta após alguma outra enfermidade. Segundo o site do Drauzio Varella, existem relatos de surgimento após contágio por alguns vírus e por bactérias. Dentre os entrevistados, 35,9% declararam que foram acometidos previamente por infecção intestinal; 11% após vacina contra a COVID-19; 4,1% após outros tipos de vacina; 5,2% após gripes ou resfriados; 8,1% após dengue, zika vírus ou chikungunya; 4% após a COVID-19; 15,1% não detectaram nenhuma pré-existência, e os demais participantes declararam ter passado por outras situações, como por exemplo: stress ou depressão, H1N1, pneumonia, dor de estômago, meningite, sinusite, herpes zoster, infecção urinária, amigdalite, sarampo, anestesia dentária, depois de passar por uma cirurgia bariátrica ou cirurgia para remoção da vesícula.
ASSISTÊNCIA SOCIAL E ACOMPANHAMENTO
Além dos danos físicos e psicológicos, um aspecto devastador na vida dos pacientes e de suas famílias é o financeiro. Na maioria dos casos, quando acometido pela SGB, a vítima perde a capacidade de prover o próprio sustento, às vezes de forma definitiva, outras de forma temporária. Porém, mesmo com a gravidade das sequelas deixadas em grande parte dos casos, quando perguntados sobre o recebimento de benefícios, os dados mostram que 50,3% não tiveram acesso, enquanto 44,5% receberam algum tipo de auxílio do INSS e os demais, 5,2%, foram assistidos por outro tipo de fundo de previdência.
Talvez um problema gerado pela falta de acesso à seguridade social seja a dificuldade que muitos pacientes têm de manter um tratamento de forma adequada. Sendo uma doença que afeta diretamente o sistema nervoso, é imprescindível que o paciente tenha assistência continuada de um neurologista e de outros profissionais de saúde (fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, por exemplo), entretanto a realidade é bem diferente.
Apenas 46,8% relatam ir com frequência ao neurologista; 24,3% vão pelo menos uma vez por ano; 18,5% dizem ter feito acompanhamento só no início da síndrome, e o restante, que equivale a 10,4% responderam que só vão ao médico especialista quando sentem algo, ou que depois do período de internação nunca mais foram avaliados novamente. [vide gráfico abaixo]
AS DORES E LUTAS
São inúmeros os aspectos que impactam para quem está vivendo um problema dessa gravidade e seria impossível sintetizar toda a dor e toda a luta que cada um passou durante esse processo, mas com objetivo de compartilhar vivência foi perguntado qual ajuda consideram mais importante depois de ter desenvolvido a SGB, e 42,2% das pessoas que participaram relataram que a maior dificuldade é financeira, pois todos os demais fatores necessários para seguir a vida da melhor forma possível são dispendiosos, o que contrapõe, na maioria dos casos, a perda laborativa desses indivíduos. Para 17,3% a parte psicológica é a mais importante nesse sentido. Para outros 16,8%, o acesso a médicos e especialistas. Algumas pessoas, 8,7%, relatam preferir entretenimento e lazer para criar forças e enfrentar os problemas, 3,5% tinham necessidade de ajuda para aquisição de remédios. Também 3,5% tiveram dificuldade com transporte. A fisioterapia foi citada por 1,8% dos participantes. Os demais disseram sentir falta de políticas públicas, mais informação, estudos específicos sobre a SGB, a criação de uma entidade específica para tratar sobre essa pauta ou não souberam responder à questão. [vide gráfico abaixo]
Quando inquiridos sobre o que foi mais difícil na luta contra a SGB a maioria, que representa 30,1%, apontaram as dores durante a experiência. Para 25,4% o pior era a incerteza no futuro, já que a síndrome se desenvolve de várias formas podendo deixar muitas sequelas. Outros 17,3% dos participantes apontaram o estresse, a depressão e as angústias como sentimento frequente durante essa fase vivida. A falta de dinheiro também foi citada por 5,8% dos entrevistados. Já para 6,4% o mais sacrificante foi a falta de acesso a tratamentos essenciais e complementares, como fisioterapia, por exemplo. Para 5,2% o maior desafio era conseguir dormir em função das limitações.
Os outros 9,8% responderam diversas coisas, como dificuldade de transporte, falta de compreensão e ajuda dos amigos, dificuldade no diagnóstico, falta de humanização nos procedimentos médicos, preço dos medicamentos e as sequelas de forma geral.
CONCLUSÃO
O que as respostas anteriores nos permitem concluir dentro desse contexto é que a Guillain-Barré é uma síndrome que merecia mais atenção tanto do poder público, quanto dos profissionais da saúde, uma vez que, baseado nos depoimentos aqui coletados e na minha própria experiência, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e muitos outros não têm o mínimo de conhecimento ou interesse em atender a necessidade desses pacientes.
O fato é que embora ainda seja considerado um evento raro, está ficando cada vez mais frequente a incidência de casos, o que, para quem já passou pelo problema e sabe o efeito devastador que ele gera, é bastante preocupante.
Ainda utilizando os dados aqui obtidos, 77,9% dos participantes, me incluindo nesse rol, acreditam que, caso tivessem tido acesso a informações de forma precoce ou no início da jornada da luta contra a SGB, o diagnóstico poderia ter sido agilizado e o tratamento começado em tempo adequado e, por consequência, os danos reduzidos.
Como não é possível retroagir na história dessas 173 pessoas e nem na de suas famílias, o que nos resta é atuar para que essa síndrome possa ser cada vez mais difundida, seja com ações pequenas como o compartilhamento de notícia, ou na cobrança de ações por parte dos nossos deputados, governadores, presidente e prefeitos com o objetivo de beneficiar mais as pessoas acometidas pela síndrome.
NOTA FINAL: a pesquisa ainda está aberta para participação, caso esteja lendo este texto e queira participar, basta clicar no link abaixo. Periodicamente esses resultados serão revalidados e divulgados novamente.
LINK PARA PESQUISA: https://forms.gle/epZn9oAx3ARy9Tkk9
Muito!!! Relatou exatamente a nossa realidade!
Parabéns pelo trabalho, muito bom. 👏👏👏